quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Ensino em aula, mas longe da escola

Saem os professores. Entram os especialistas.
O ensino entre pares começa a ganhar adeptos na rede.

Depois de concluir o mestrado em negócios, o americano Miles Fitzgerald, programador em uma startup de Nova York, pretendia continuar aprimorando suas habilidades profissionais. Mas, depois de tantos anos de educação formal, ele não queria voltar a frequentar uma sala de aula.

A solução foi procurar o Skillshare, um site lançado no início de 2011. Diferentemente de um colégio ou de uma universidade, o Skillshare é uma espécie de rede de aprendizado: especialistas em qualquer assunto, de fotografia a sobremesas, se propõem a dar aulas para outros diletantes.

A ideia do serviço é unir de um lado quem tem vontade de passar seu conhecimento adiante, mas não é professor, e, do outro, quem quer aprender, mas não está disposto a frequentar um curso ou uma escola.

Fitz­gerald decidiu dar uma chance à novidade. Uma das primeiras aulas foi um curso sobre criação de aplicações para a web. De lá para cá, ele repetiu a experiência 13 vezes. “As aulas que eles oferecem não podem ser encontradas em nenhum outro lugar”, diz. 

Até pouco tempo atrás, o ensino via internet, ou e-learning, era visto como a principal inovação trazida pela internet no terreno da educação. Apenas no Brasil, segundo dados do Ministério da Educação, um em cada cinco novos alunos de graduação ingressa em um curso a distância.

A estimativa é de que, até 2015, esse mercado movimente mais de 100 bilhões de dólares em todo o mundo, quando o número de alunos de graduação de aulas remotas deverá igualar o de estudantes de cursos tradicionais.

Eliminar a necessidade de aulas presenciais entre professores e alunos de cursos de graduação foi, sem dúvida, um passo importante para a democratização do ensino. Mas há hoje indícios de que outra revolução no que diz respeito à disseminação de conhecimento pela web começa a tomar forma. 
Serviços como Skillshare e TeachStreet estão mostrando que o impacto da internet na educação pode ter formas muito diferentes. A ideia é semelhante à de sites de empréstimo ou aluguel entre pessoas, como o AirBnB, de apartamentos e casas.

Os próprios usuários são responsáveis pela avaliação dos cursos e dos professores. Mesmo que eles não tenham familiaridade com práticas de ensino ou didática, os mais competentes conseguem estabelecer uma boa reputação e, assim, ganham novos alunos.

Um dos cursos mais populares do Skillshare até hoje foi dado por Michael Geer, cofundador do Badoo, uma das redes de relacionamento que mais crescem no mundo. O tema: como recrutar o primeiro milhão de usuários para seu empreendimento de internet.

“Em áreas como tecnologia para a web, os conceitos de ponta não são ensinados nas faculdades”, diz Michael Nicklas, investidor do fundo brasileiro Ideasnet. “A educação de pessoa para pessoa promovida via internet tem o potencial de tornar mais acessível esse conhecimento.”

Nessa nova fase, a internet continua sendo uma ferramenta importante para promover aulas a distância, com transmissão de vídeos. Mas também ganhou novas funções.Uma das principais é organizar grupos de interessados para a realização de cursos presenciais, em geral de curta duração.

Com pouco mais de cinco meses de vida, o Skillshare já foi responsável por organizar 8 500 horas de aulas, com custo médio de 20 dólares por aluno (a empresa fica com 15% de comissão sobre cada matrícula).

Oferecendo cursos como ensino de programação para não programadores ou como ser mais eficiente em sua rotina, a empresa acumula investimentos de 3,6 milhões de dólares dos fundos Union Square Partners e Spark Capital.

Outro pioneiro é o TeachStreet. A sacada do fundador, o americano Dave Schappel, foi oferecer não apenas um ponto de encontro entre professores particulares e interessados, como era comum à época, mas também uma plataforma que permitisse, na prática, que qualquer pessoa se tornasse um educador.

Uma visita rápida ao site mostra o anúncio de aulas de soldagem oferecidas por um usuário chamado Rusty Oliver, especialista em componentes tecnológicos da cidade de Seattle. Oliver não é professor, mas sua experiência com trabalhos com metal o qualifica para as aulas, que custam 150 dólares por mês.

“Dar espaço para esse tipo de pessoa ensinar é algo que atrai gente para cursos pouco comuns nas instituições tradicionais”, diz Schappel. A possibilidade de conseguir uma boa receita mensal é um dos grandes atrativos para quem deseja se tornar um professor.

Por causa da baixa comissão cobrada pelos sites, aqueles que conseguem promover aulas atraentes podem receber até mais do que ganhariam em uma escola ou faculdade convencional. Alguns especialistas que atuam como professores do Skillshare e do TeachStreet chegam a receber 2 000 dólares por mês com as aulas.

Prazer de estudar

A popularização dos cursos livres pela rede, claro, está longe de ser uma ameaça para cursos formais de graduação ou mestrado. O papel desses cursos livres — do qual participam atualmente cerca de 5 milhões de pessoas em todo o Brasil em instituições como Senac e Senai — é democratizar o acesso à informação.

Diplomas oferecidos por instituições tradicionais deverão continuar sendo exigência de empresas que buscam garantia de aptidão de profissionais ou candidatos a vagas. Ainda assim, o futuro da educação casual parece promissor.

“O público adulto dos cursos livres está mais interessado em aprender do que em ter um certificado”, diz Ryon Braga, o presidente da consultoria brasileira em educação Hoper. “Por isso existe um grande potencial de crescimento para esse tipo de serviço online.”

O total de brasileiros que fazem algum tipo de curso livre no país pode dobrar em cinco anos. Em um momento em que os alunos estão cada vez menos interessados nas aulas, e os padrões de ensino estão sendo questionados pelos especialistas, os cursos livres podem funcionar como um resgate do prazer de estudar.

Fonte: Exame

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