Nossas máquinas nunca foram tão eficientes - e, no entanto, o homem nunca consumiu tanta energia quanto hoje.
O senso comum costuma ser um bom conselheiro na maioria das situações de
nossa vida, mas, no mundo da economia, ele às vezes prega algumas
peças. Reza a crença popular, por exemplo, que a melhor forma de
enfrentar uma crise é apertando o cinto. Se todos — governo incluído — fizerem isso, porém, a crise só vai piorar.
Também é contraintuitiva uma das noções mais caras à teoria econômica, a
lei das vantagens comparativas. Segundo ela, em muitas situações, os
países devem parar de produzir e passar a importar de concorrentes,
ainda que eles sejam menos eficientes — e todos vão ganhar com isso.
No mundo da sustentabilidade, o senso comum está por trás de um dos
mantras mais repetidos em tempos de mudança climática, o de que as novas
tecnologias são a salvação do planeta. A aritmética parece fazer
sentido. Uma lâmpada LED consome cerca de 10% da eletricidade das
lâmpadas tradicionais.
Uma TV moderna consome uma fração dos modelos antigos. Um carro hoje
faz quase 20 quilômetros por litro de gasolina, ante cerca de 6 no
passado. Portanto, quanto mais cedo esses produtos substituírem os
antigos, menos emissões de CO2 haverá para ajudar a aquecer o planeta. Teríamos, aí, o caminho para um mundo mais sustentável.
Bem, talvez as coisas não sejam tão simples assim. É o que defende o
jornalista e escritor americano David Owen, um especialista em temas
relativos ao meio ambiente, em seu livro mais recente.
A obra é provocativa já no título, The Conundrum — How Scientific
Innovation, Increased Efficiency, and Good Intentions Can Make Our
Energy and Climate Problems Worse (“O Conundrum — Como a inovação
científica, os ganhos de eficiência e as boas intenções podem tornar
nossos problemas energéticos e climáticos ainda piores”, numa tradução
livre). Tecnologias, diz ele, costumam fascinar a maioria.
Adoramos inovações e estamos prontos a migrar para elas assim que isso
se torna possível. E o tempo, nesse caso, joga a favor do consumidor —
conforme nossas máquinas se tornam mais eficientes, elas gradualmente
ficam mais baratas, para o deleite de milhões.
“Se olharmos uma família e imaginarmos que tudo em torno dela — o
carro, a TV, as lâmpadas, o computador, a geladeira — passou a gastar
menos energia, a aritmética faz sentido. Essa família vai mesmo ter um
impacto menor no clima”, diz Owen. “Mas a conta relevante é outra: ao
criarmos novos carros, geladeiras e TVs, o que acontece com as vendas?”
Nos anos 50, uma família americana gastava 10% de toda a sua renda
anual para comprar uma televisão, então um bem de luxo. Atualmente, o
americano gasta 0,8% da renda para levar para casa um produto
comparável. Não surpreende que o total de televisores no mundo tenha
crescido quase 50 vezes nas últimas décadas.
O ponto de Owen, em resumo, é que os produtos estão de fato mais
“verdes”. Mas estão também mais baratos e tornaram-se acessíveis para
bilhões de pessoas. A conta energética, portanto, piorou.
Quando se olha a história como uma metanarrativa de milênios, o
argumento de Owen fica mais claro. Na antiga Babilônia, era preciso
trabalhar por 48 horas para conseguir a energia hoje necessária para
acender uma lâmpada de 75 watts por 1 hora. Um cidadão do mundo rico
gasta atualmente meio segundo de trabalho para pagar pela mesma
quantidade de energia.
A maior eficiência energética está na base do enorme avanço econômico
que tivemos como espécie. Owen resgata um debate nascido em plena
Revolução Industrial, quando o economista inglês William Stanley Jevons
cunhou um argumento conhecido como Paradoxo de Jevons.
Segundo ele, o uso mais eficiente do carvão, a base energética nos
primórdios do capitalismo, teria como consequência um uso cada vez maior
dessa fonte de energia. De lá para cá, nasceu o mundo moderno. Vivemos
mais e melhor e somos provavelmente mais felizes. Criamos novos
brinquedinhos constantemente. E nunca consumimos tanta energia quanto
hoje.
No fundo, o maior mérito de Conundrum é mover o foco de um debate
puramente técnico para uma discussão mais profunda. Enquanto não formos
capazes de alterar nosso modo de vida e refrear a ânsia humana de ter
sempre mais, dificilmente escaparemos da ameaça de caos ambiental.
E é aí também que o argumento de Owen pode soar catastrofista. Não é
razoável esperar o nascimento de uma consciência ambiental tão poderosa
que possa refrear o apelo das inovações tecnológicas. Qual a saída,
então? Owen defende, por exemplo, que vivamos mais próximos uns dos
outros, de preferência em casas menores.
A proximidade proporcionada pelas metrópoles, se acompanhada da correta
infraestrutura, pode produzir um ganho brutal em termos de emissões. É
algo que vai na contramão de propostas românticas — e equivocadas — do
movimento ambientalista, que enxerga as grandes cidades como parte do
problema, não da solução.
A visão de Owen, claro, não é uma unanimidade. Para alguns
especialistas, é necessário pesar com calma ganhos e perdas
proporcionados pelas novas tecnologias. Em teoria, um ganho tão brutal
na eficiência energética poderia mais do que compensar o aumento de
consumo. O debate vai continuar — mas, espera-se, a partir de um novo
patamar.
Fonte: Exame
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