sexta-feira, 15 de junho de 2012

SPREAD POSTO A NU

Na discussão sobre spread, crédito e avanço da economia, o Dieese entra com valioso estudo sobre o peso do spread no país, confirmando ser do Brasil a taça de chumbo nesse campo. O Brasil não perde o posto quando comparado a países desenvolvidos, à América Latina e aos Brics.

Em janeiro deste ano, mostra o Dieese, a taxa média paga para aplicações financeiras no Brasil estava em 38,0% ao ano e a taxa média de captação era de 10,2% ao ano, resultando daí um spread de 27,8 pontos percentuais ao ano.

No mesmo mês, o spread da Argentina era de 3,39 pontos ao ano, o do Chile, de 4,49, o do México, de 3,82, o da Colômbia, de 7,37. Mais comparações: o spread da Bolívia estava em 9,61, o do Uruguai, em 5,71 e o da Venezuela, em 1,49 nessa data. Mais próximos do Brasil, os spread do Peru (16,9 pontos) e do Paraguai (26,9 pontos). Os dados do Brasil são do Banco Central e os demais, do FMI.

Perdemos também para os colegas do Brics, mesmo sem informação sobre a Índia: spread de 3,06 pontos percentuais na China (dezembro 2011) 3,00 na Rússia e 3,48 na África do Sul (janeiro 2012).

Na busca de explicação para esse spread brasileiro, o Dieese aponta o próprio nível da taxa de juros básica da economia brasileira (a Selic), finalmente em tendência de queda há quase um ano - passou, de agosto 2011, de 12,50% ao ano para 9% em maio 2012, a segunda maior do mundo, em termos reais (atrás só da taxa russa).

Outro dado: a relação crédito/PIB mantém em expansão mesmo com as crises financeiras detonadas a partir de 2008. De janeiro 2004 a janeiro 2012, o volume de crédito no Brasil dobrou, passando de 25% para 48,8% do PIB.

Mesmo assim, essa relação ainda é baixa, quando comparada às de outros países. Pela metodologia, que contempla alguns ativos financeiros não considerados nos cálculos do BC, o volume de crédito ao setor privado no país alcançou 57% do PIB, em 2010. Na mesma base, no Japão, essa relação era de 225%, no Reino Unido, de 204%, nos EUA, de 202%, na Dinamarca, de 169,2%, na África do Sul, de 145,5%, na China, de 130,0%, na França, de 114%, na Alemanha, de 108%, e na média da União Europeia, de 104,4%.No Chile, de 86%. O Brasil ganhava da Índia (49,0%), do México (24,6%) e da Argentina (14,6%).

Portanto, aponta o Dieese, parece claro que "juros altos e spreads abusivos, sem qualquer correspondência com a taxa de juros básica (Selic) e o custo de captação, tanto no mercado interbancário quanto externo, impedem maior expansão do crédito".

Vale lembrar, continua o estudo, "que os bancos brasileiros permaneceram durante muito tempo fechados à competição externa e estavam voltados ao financiamento dos elevados déficits do governo. Os longos períodos de inflação alta e de crise levaram o Banco Central a dirigir ações para evitar que os problemas se agravassem, deixando para segundo plano a questão do custo do crédito no setor bancário. Hoje, curiosamente, além de serem os maiores detentores de títulos públicos federais, as instituições financeiras encontram-se numa situação de repensar a estratégia no sentido de focar o aumento do volume de crédito a um custo mais baixo, em razão da tendência de queda da Selic para os próximos anos".

Também pesa, e fortemente, no alto custo do dinheiro no Brasil a própria estrutura do mercado bancário nacional, que é "oligopolista, com poucos bancos controlando praticamente todo o mercado e, portanto, com grande capacidade de determinação dos juros cobrados nas operações de crédito e do valor das tarifas bancárias". Os seis maiores bancos atuantes (três privados, mais BB e CEF) concentram mais de 80% dos ativos totais e das operações de crédito do sistema bancário brasileiro, diz o estudo.

A bom entendedor, meia palavra basta.

O que recheia o spread 
 
Pela metodologia utilizada pelo BC, a decomposição do spread consiste em cinco componentes fundamentais. São eles:

1) custos administrativos: referem-se às despesas com a manutenção do processo produtivo das instituições financeiras, por exemplo, as vinculadas à remuneração do trabalho (salários, benefícios, treinamentos e encargos) e à utilização de recursos operacionais (comunicações, material de escritório, processamento de dados, propaganda e publicidade, seguro, vigilância, transporte, entre outros). Parcela do total: 12,6%;

2) inadimplência: recursos provisionados pelos bancos para possíveis perdas em virtude do não pagamento por parte dos tomadores de crédito no intuito de resguardar o patrimônio das instituições financeiras. Este componente é estimado com base nas classificações de risco das categorias de empréstimo dos bancos e nas respectivas provisões mínimas. Parcela do total: 28,7%;

3) compulsório + subsídio cruzado + encargos fiscais e Fundo Garantidor de Crédito (FGC): corresponde à parte relativa aos custos de recolhimento incorridos pelos bancos para manutenção de parte de seus recursos no BC, aos custos referentes aos créditos direcionados, como habitacional e rural, por exemplo. Inclui também as despesas obrigatórias com o FGC e os tributos incidentes sobre a concessão de crédito e os resultados auferidos nessas operações (PIS e Cofins). Parcela do total: 4,1%;

4) impostos diretos: Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Parcela do total: 21,9%; e

5) margem líquida, erros e omissões: diferença entre o resultado bruto e os componentes anteriores. Ou seja, este item inclui o lucro líquido, os erros e as omissões de mensuração. Parcela do total: 32,7%.

Analisando os dados mais recentes, o Dieese destaca que a margem líquida corresponde, em média, a um terço do total do spread bancário, sendo sempre o maior de todos os componentes.

Por outro lado, as despesas causadas pela inadimplência ficaram menores, de 30,6% para 28,7%, de 2009, ano da marolinha, a 2010, o da retomada. Em 2006, por exemplo, elas representavam 30,5% do spread. Subiu, nesse intervalo, a cobrança de impostos diretos - de15% em 2004 a 21,9% em 2010. E caíram os custos administrativos (incluídas as despesas com pessoal), de 20,4% para 12,6%, em 2004 e em 2010.

A propósito, neste ponto, o Dieese repete sua informação, já de alguns anos, sobre "as receitas oriundas de tarifas bancárias serem suficientes para cobrir mais que 100% das despesas de pessoal nos principais bancos atuantes no Brasil".

Também estão percentualmente menores os custos com depósitos compulsórios e semelhantes, de 9,1% para 4,1%, na mesma base de comparação.

Como conclusão, considera o Dieese "importante uma mudança na gestão da dívida pública brasileira, para que as instituições financeiras detentoras de grande quantidade de títulos da dívida (atualmente remunerados pela Selic) não disponham mais de alternativas de aplicação em ativos negociáveis com a vantajosa combinação de alta rentabilidade e baixíssimo custo". Com isso, haveria mais recursos para o crédito produtivo de longo prazo.

No que se refere à inadimplência, o estudo lembra que ela decorre do "fato de que, como as taxas de juros e spreads praticados pelos bancos são reconhecidamente abusivos, muitos passam a enfrentar dificuldades na quitação das dívidas". Com juros menores, renegociações de dívidas bancárias seriam facilitadas. Sobre a margem de lucro, diz o estudo que, "nos últimos anos, os bancos públicos e privados registraram lucros e spreads recordes, o que denota que há espaço para redução desse componente, sem reduzir necessariamente o lucro, mas trazendo ganhos de escala, com maior volume de crédito e menor spread". 

Fonte: Joelmir Beting

Nenhum comentário:

Postar um comentário