Pesquisas relacionam a presença feminina no conselho de administração a bons resultados financeiros - e ajudam a trazer pragmatismo à discussão sobre diversidade no comando das empresas.
A paulista Flávia Almeida e a carioca Deborah Wright encontram-se pelo
menos uma vez por mês para pegar um voo em São Paulo rumo à sede da
rede de varejo de moda Lojas Renner, em Porto Alegre. Elas são hoje as
duas mulheres entre
os oito profissionais a participar das reuniões mensais do conselho de
administração da varejista, que faturou 2,9 bilhões de reais em 2011.
É a proporção mais equilibrada entre homens e mulheres ao longo de mais
de três décadas de existência do conselho da empresa. Deborah chegou em
2008, e foi a segunda mulher contratada para compor o time (depois da
consultora Glória Kalil, que permaneceu entre 2005 e 2007).
Na Renner, ela tem sua quarta experiência num conselho. Flávia, que já
trabalhou na consultoria McKinsey e dirigiu a holding Morro Vermelho,
dos controladores da Camargo Corrêa, chegou em outubro de 2011 para sua
sétima passagem nesse nível. “Tem sido uma experiência muito intensa”,
diz Flávia. “Como se trata de uma companhia de capital pulverizado, as
principais decisões dependem quase integralmente da posição do
conselho.”
Casos como o de Flávia e Deborah são raríssimos no Brasil. Hoje, as
mulheres ocupam apenas 5% das vagas nos conselhos de administração no
país. E o dado, é bom lembrar, inclui herdeiras — um universo estimado
em pelo menos metade desses postos. A presença feminina nesse nível, no
entanto, começa a deixar de ser exceção no mundo.
Um levantamento realizado pelo banco Credit Suisse com 2 360 empresas em
46 países mostra que 41% delas tinham mulheres no conselho em 2005. No
ano passado, já eram 59%. A presença feminina, de acordo com o estudo,
está associada a resultados melhores.
O lucro das empresas com pelo menos uma mulher no conselho cresceu mais
— 14%, ante 10% das demais companhias — e o endividamento foi menor.
Recentemente, dois levantamentos distintos realizados pela consultoria
McKinsey e pela organização americana Catalyst, voltada para a promoção
das mulheres no mercado de trabalho, chegaram a conclusões semelhantes.
“Há uma correlação clara que nos permite afirmar que a diversidade de
gênero ajuda a trazer resultados melhores”, diz Mary Curtis, diretora do
Credit Suisse, responsável pela pesquisa.
A constatação adiciona um argumento pragmático a um debate
essencialmente teórico. Uma teoria, aliás, quase tão recente quanto o
próprio avanço das mulheres nas empresas. A primeira conselheira de
administração de uma companhia nos Estados Unidos foi Lettie Pate
Whitehead, na Coca-Cola, em 1934. (Lettie, diga-se, era herdeira de um
dos criadores do modelo de engarrafamento da bebida.)
Levou mais de sete décadas para que uma executiva finalmente sucedesse
outra na história corporativa americana. O fato só se deu em maio de
2009, quando Ursula Burns assumiu a presidência executiva e do conselho
de administração da Xerox no lugar de Anne Mulcahy. A partir dos anos
60, diversos pesquisadores passaram a investigar o comportamento
feminino no escritório na tentativa de estabelecer suas peculiaridades.
Boa parte deles concorda que elas tendem a ser mais colaborativas e
avessas ao risco em relação aos colegas do sexo masculino. Houve quem
aventasse que, se as mulheres fossem maioria em Wall Street, o mundo
teria se livrado do colapso financeiro em 2008. É uma análise que faz
sentido estatístico, mas obviamente a regra não se aplica a todos de
maneira uniforme.
Os próprios especialistas reconhecem que é possível encontrar mulheres
com traços de comportamento ditos masculinos e vice-versa. A aplicação
prática desses conceitos, portanto, sempre representou um terreno
pantanoso.
Os defensores do aumento da participação das mulheres no comando das
empresas se atêm cada vez menos às eventuais vantagens das
características tipicamente femininas e mais ao discurso de que a
diversidade por si só torna as equipes mais eficientes. Estudos
acadêmicos recentes mostram que a simples presença de uma pessoa
diferente no grupo, seja com relação ao gênero ou à origem, faz com que
os participantes de uma discussão se comportem de outro modo.
“Se todos têm o mesmo perfil, em geral o consenso é atingido mais
rapidamente”, diz Katherine Phillips, professora de liderança e
pesquisadora da Universidade Columbia, em Nova York, que estuda a tomada
de decisões em grupo. O contrário ocorre em times heterogêneos, em que
há mais argumentação e uma variedade maior de considerações antes de
chegar a um ponto comum.
Pessoas diferentes normalmente possuem pontos de vista distintos, o que
naturalmente gera mais debate. Além disso, há a influência de outro
aspecto menos consciente. “As pessoas resistem a discordar radicalmente
de alguém que se pareça muito com elas mesmas”, afirma a pesquisadora.
Mais questionamento
Manter vozes dissonantes, porém, não significa criar um ambiente de
trabalho mais fácil. A vantagem da diversidade decorre justamente de um
ambiente com mais argumentação e questionamento, o que em geral tira as
pessoas da zona de conforto. “É curioso como os participantes das
pesquisas tendem a achar que o trabalho entre iguais é mais produtivo
porque é mais rápido”, diz Katherine.
Uma certa dose de conflito pode ser menos agradável, mas certamente
tende a ser mais eficiente para os negócios. “Começa a existir a
consciência de que é preciso criar ambientes de trabalho mais
questionadores para manter a competitividade”, diz Susan Stautberg,
diretora da Woman Corporate Directors, organização americana que promove
a diversidade de gênero nos conselhos.
Uma barreira física para elevar a participação de mulheres nos
conselhos é sua escassez ao longo de toda a estrutura corporativa. Nos
Estados Unidos, elas representam apenas 15% dos presidentes de empresas.
No Brasil, não chegam a 5%.
“Muitas nem se veem nessa posição porque imaginam que conselheiros são
sempre os homens mais velhos, que já passaram pela presidência de uma
companhia”, afirma Ana Paula Chagas, sócia da empresa de recrutamento de
altos executivos Heidrick Struggles, em São Paulo, e representante no
Brasil da Woman Corporate Directors.
Para manter a diversidade de perfis, algumas empresas nos Estados
Unidos têm cada vez mais indicado membros para o conselho que nunca
ocuparam a presidência. A executiva americana Sheryl Sandberg,
vice-presidente de operações do Facebook, é um exemplo disso. Hoje ela
participa de quatro conselhos de grandes empresas (um deles no próprio
Facebook, desde junho deste ano).
“A situação tende a se reverter gradualmente”, afirma Deborah Wright,
de 55 anos, que tem uma filha. “Quando comecei minha carreira,
simplesmente não havia mulheres no topo das empresas brasileiras. Hoje, a
situação já é bem diferente.”
Para forçar a velocidade dessa ascensão, alguns países recorreram à
criação de cotas. Em 2003, a Noruega se tornou pioneira ao exigir que
40% dos assentos do conselho de empresas do país fossem dedicados a
mulheres — de fato, o país é hoje o que mais tem representação feminina
nesse nível no mundo.
Países como Itália, Bélgica e Austrália logo tomaram medidas
semelhantes. Atualmente existe uma discussão para que a regra passe a
valer na União Europeia até 2020 para todas as empresas com mais de 250
funcionários. No Brasil, tramita no Senado um projeto de lei para
garantir 40% de vagas para mulheres no conselho de administração de
empresas estatais.
“Somos contra porque essa medida só ajudaria a criar uma segunda
categoria de conselheiros, que seriam desconsiderados na prática pelos
demais integrantes”, diz Sandra Guerra, presidente do conselho de
administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
“O quadro atual deve mudar porque as pessoas entenderam que se trata de
uma questão de mérito, uma busca por resultados melhores.” É um
argumento que ganha força à luz de pesquisas como a do banco Credit
Suisse: se ter mulheres no conselho proporciona resultados melhores, as
próprias empresas terão interesse em tê-las por perto — sem que nenhuma
lei precise forçá-las a isso.
Fonte: Exame
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